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"Uma Noite na Hofoper" - Capítulo I

Posted: 05 Feb 2019, 20:14
by CarloDiNossia
Os degraus da Hofoper, naquela noite de inverno escura, estavam tomados por todo tipo de gente. Plebeus, nobres (entre estes, condes, marqueses, barões, duques...), empresários, burocratas, juízes e comerciantes. Todos os cidadãos do Império queriam ser os primeiros a ver o espetáculo, cujo nome tomava quase um cartaz inteiro, em letras rubras e estilizadas, colocado na fachada do prédio. Nessa mesma fachada, em um mastro fino, a bandeira listrada da nação trepidava no vento gelado.

Poucos momentos depois, uma comoção. Um Aston Martin, da década de sessenta, e preto como o céu daquela noite, cortava seu caminho entre a multidão aglomerada nos portões do prédio alaranjado.

Do carro saiu um sujeito um tanto alto, de barba espessa e escura, assim como seus cabelos, usando óculos de aro fino, que pendiam acima do nariz. Trajava um fardão azul, sendo esse o uniforme de gala do Exército. Era o Imperador-Rei.

Com a mão enluvada de branco, a outra a qual ele colocou às costas, ele pareceu ajudar alguém a sair do veículo. Usando um vestido branco surgiu a Imperatriz-Rainha, que prontamente lhe ofereceu um sorriso e um aceno de cabeça.

Levando uma das mãos ao cabo do espadim, e com a outra conduzindo sua consorte, o monarca fez seu caminho, entre sussuros e saudações, para dentro do teatro.


A atmosfera lá dentro era um pouco mais contida que do lado de fora, mas ainda assim vibrante e tumultuosa.

As colunas brancas do teatro sustentavam um afresco no teto, retratando os grandes mestres da Renascença. Da Vinci, Michaelangelo, Rafael, Donatello e até mesmo Albrecht Dürer decoravam o teto, imersos em um grande debate.

O saguão antes tomado por conversas e discussões silenciou ante a presença do monarca, que fez seu caminho tranquilo até seu camarote, subindo as escadas sem pressa.

Já devidamente acomodado, o Imperador-Rei puxou do bolso da jaqueta o programa do espetáculo da noite.

-“Reis São Escravos da História.” Por um tal “Baranov”. – Disse ele em voz alta – Eu não sei o que esperar desse, em especial.

-Não é ninguém que eu conheça, mas os críticos foram favoráveis. Disseram que ele claramente é um Lifreano, pelo tom da história. – Falou a Imperatriz-Rainha.

-Eles adoram tragédias assim como os Nossis adoram mistérios, ou como eles chamam, “Zaldo”. Ambos são bastante populares até hoje.

-Eu já assisti um desses. No final, o assassino era o filho bastardo do industrialista. Descobriram pela marca de nascença no pescoço.

-Eles sempre têm esses enredos excêntricos. É algo cultural. –Disse o Imperador-Rei, guardando o programa novamente. As luzes então se apagaram.

Do lado de fora,as luzes se apagaram, e o barulho insurdecedor da multidão deu lugar a único grito de gelar os ossos, e logo depois a algumas exclamações de dor. Por fim, um estampido.

O monarca se jogou ao chão junto de sua consorte, puxando do coldre na cintura a pistola. Era uma Walther PPQ, compacta.

Ouviu atentamente ao retomar do barulho da multidão, dessa vez eram vozes apavoradas.

-O marquês! – Gritou uma voz do lado de fora – Mataram o Marquês de Niemand!

O Imperador-Rei se levantou de pronto, empurrando as portas do camarote e seguindo para o salão. Do lado de fora, os cidadãos de aglomeravam em uma roda, sussurando e cochichando.

-Foi um tiro, eu claramente ouvi um tiro – Disse um deles, de gravata verde.

-As luzes se apagaram. Como se apagaram?

-Minhas jóias! Onde estão minhas jóias? – Gritava uma senhora rechonchuda, desesperada.

Ao ver o Imperador-Rei, a multidão abriu a roda, e revelou um corpo no chão e debaixo dele uma poça de sangue.

O monarca se aproximou do indivíduo, e o virou de costas, revelando um rosto que ele nunca havia visto antes.

-Quem vocês disseram que era este? – Perguntou ele, imerso em pensamentos.

-O Marquês de Niemand, Vossa Majestade. Chegou do Reich fazem algumas semanas. – Disse um de tipo severo, com óculos pendendo da corrente.

-Niemand... – Repetiu ele, lentamente – Um título um tanto curioso.

-Quer dizer “ninguém”. – Falou uma voz da porta do teatro. Notava-se a farda preta como piche, com as dragonas de um ouro escuro, e a estrela da patente num quadrado vermelho na gola, um de cada lado. Esse era o Kanfre.

-Ele estava aqui antes? – Perguntou o Imperador-Rei.

-Não. Acabei me atrasando. Cheguei em meu Porsche apenas agora. Um engarrafamento na Ponte Arquiduque Ari. – Rebateu o Kanfre. – Agora, se me permite...

O Kanfre se aproximou e se ajoelhou ao lado do corpo. Tateou o peito do desfalecido, achando um buraco. Virou o corpo de lado, olhando suas costas. Nada.

-Não tem buraco de saída.-Disse, como se para si mesmo.

Logo após, o Kanfre tateous os bolsos da frente do morto, e depois, os bolsos internos. Nada. Estavam vazios.

Pegou os dedos da mão direita do morto e levou-os para perto de seu nariz. Passou alguns segundos olhando para as unhas da vítima, e para os lados, como se procurasse algo.

Se levantou e andejou brevemente entre os patrões assustados, como se procurasse algo.

Finalmente, tirou uma caderneta do bolso, juntamente com um pedaço de carvão.

Enegreçeu as pontas dos dedos da vítima e pressionou-as nas páginas de seu pequeno caderno.

Guardou o caderno dentro do casaco e sorriu para o Imperador-Rei.

-Foi um tiro de calibre pequeno, com certeza. Provavelmente calibre .22. Não tem buraco de saída. Parece que o projétil se alojou dentro do peito dele. Provavalmente acertou algum órgão importante. Com a hemorragia interna que não foi controlada, ele provavelmente morreu aqui, sem nem saber. O coitado sangrou e morreu na hora. – Falou o Lifreiano.

-Eu vou ordenar que procurem por pistas. Não deve ter ido muito longe. – Disse o Imperador-Rei – Por enquanto, ninguém sai do Teatro.

-Outra coisa! Onde está a arma dele?

O Imperador-Rei se levantou e caminhou até o guinchê de telefones.

Alguns minutos depois, o monarca retornou. Se apoiou numa das colunas e limpou os óculos.

-Você mencionou uma arma. Como assim?

-Simples. O dedão da mão direita de nosso querido amigo - E apontou para o corpo no chão. - Devo dizer, está em péssimo estado. Provavelmente um caso de mordida causada pelo cão de uma arma.

-Certo.

-Outra coisa: Os dedos dele estão enegrecidos e tem cheiro de pólvora. Provavelmente era um revólver antigo e não confiável. Dos mais baratos.

-E?

-Ele tentou reagir à sua tentativa de assassinato e não conseguiu. Provavelmente ele errou o tiro ou sua arma se voltou contra ele. De qualquer forma, tenho quase toda certeza que ele foi movida pelo assassino.

-Tudo isso enquanto as luzes estavam apagadas?

O Kanfre sorriu.

-Mande a Imperatriz para casa e os policiais patrulharem a capital. E sugiro que descubra se servem café aqui. Vai ser uma longa noite. – Disse o Kanfre, se afastando logo depois.
***